O governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), propôs uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) no começo do mês contra uma lei do próprio Estado que concede benefícios fiscais. Na ação, ele alega que a medida gera perda de arrecadação. Os prejuízos foram estimados em R$ 80 milhões.
Não é a primeira vez que o Supremo terá que lidar com esse tipo de conflito interno.
Outras leis já foram julgadas – e derrubadas – a pedido do próprio governador, que herda normas de governos anteriores ou tem vetos derrubados pela Assembleia Legislativa.
Em 18 Estados e no Distrito Federal (DF), a renúncia de ICMS em 2019 foi de R$ 97,22 bilhões, segundo levantamento realizado pela Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite). O valor da renúncia representa 21,78% do arrecadado no ano por esses Estados e pelo DF.
O levantamento contempla o Distrito Federal e os Estados que disponibilizaram os dados – entre eles os do Sul e Sudeste, Goiás, Mato Grosso, Amazonas, Bahia, Ceará e Pernambuco. Destes, o peso da renúncia é mais significativo no Amazonas, chegando a 70,30%.
Na ação (ADI 6319), com pedido de medida cautelar, o Estado do Mato Grosso questiona a Lei Complementar estadual nº 631, de 2019, que determina a suspensão de benefícios fiscais que não estejam de acordo com convênios do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). O dispositivo questionado tinha sido vetado pelo governador, mas a Assembleia Legislativa derrubou o veto.
Em 2011, o STF julgou uma ação do governo do Paraná contra a lei local nº 15.182, de 2006 (ADI 3803). A norma estabelecia crédito presumido de ICMS a abatedores de aves e frigoríficos.
O benefício paranaense também não tinha autorização do Confaz e foi parcialmente derrubado pelo Supremo, mantida apenas parte que estava de acordo com convênio do Confaz. Em 2007, foi aceito o pedido que havia sido feito pelo então governador Jaime Lerner contra a Lei estadual nº 13.133, que criou o Programa de Incentivo à Cultura, reservando valores do imposto para ações na área.
No mesmo ano, o STF declarou inconstitucional a Lei nº 8.366, de 2006, do Espírito Santo, que estabelecia a isenção de ICMS para empresas que contratassem apenados e egressos do sistema carcerário. A ação (ADI 3809) havia sido ajuizada pelo governador de Estado.
O governo capixaba também já propôs ação semelhante à do Mato Grosso, contra lei vetada pelo governador, mas promulgada pela Assembleia Legislativa (ADI 3495). Mas o pedido ainda não foi julgado.
Outros governadores também já entraram com ações semelhantes, contra leis dos seus próprios Estados, como Paraná (ADI 3796), Rio Grande do Sul (ADI 2663 e 1308), Alagoas (ADI 2458), São Paulo (ADI 2777), Pernambuco (ADI 2675), Santa Catarina (ADI 2730 e 2357), e o próprio Mato Grosso (ADI 2823).
Geralmente, os casos mostram os governadores se insurgindo contra normas desenhadas na gestão anterior, segundo Juracy Soares, auditor fiscal e presidente da Febrafite. O cerne da questão é saber se o volume da receita da qual o Estado abre mão será reposto no médio prazo, segundo o auditor fiscal. “Vemos que não pela fila de Estados em situação de insolvência.” A Febrafite vai discutir na próxima reunião do seu conselho deliberativo, em março, se apresenta ações sobre os benefícios estaduais. Para isso, precisa da chancela dos representantes dos Estados, já que reúne as associações de auditores estaduais.
“Somos contra o benefício porque, no cenário macro, é insustentável. Um Estado tenta tirar Receita de outro”, diz.
Segundo o auditor fiscal, a situação é complicada para os Estados porque os próprios servidores acreditam que é necessário conceder benefícios senão outros entes farão isso. “Está todo mundo entrincheirado”, diz.
Matéria originalmente publicada pela Valor Econômico, por Beatriz Olivon, em 28 de fevereiro de 2020.