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Receita Federal passa a cobrar adicional do RAT de indústrias

Indústrias vêm sendo surpreendidas com cobranças milionárias da Receita Federal. Os valores se referem ao adicional da contribuição aos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT) – a nova denominação para o Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) -, pago quando há empregados com direito à aposentadoria especial. Os valores exigidos têm como base uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2015.

Os ministros confirmaram a tese, em repercussão geral, de que se a empresa fornece equipamento de proteção individual (EPI) eficaz, o empregado não tem direito a se aposentar com menos tempo de serviço. Abriram uma exceção, porém, aos casos de funcionários expostos a ruídos (ARE nº 664.335).

É com base nessa exceção que a Receita decidiu cobrar retroativamente as indústrias. Elas alegam, porém, que são liberadas, por lei, do pagamento quando adotam medidas de proteção aos funcionários e afirmam que os ministros, no julgamento, não trataram sobre a alíquota adicional do RAT.

A conta é pesada. As empresas pagam o adicional conforme o tempo de aposentadoria a que o seu funcionário tem direito – 15, 20 ou 25 anos. Se o empregado precisar trabalhar só 15 anos, o empregador terá de recolher o percentual máximo de 12%, o que pode totalizar 15% (1%, 2% ou 3% da alíquota básica do RAT mais 12% do adicional) sobre a remuneração daquele funcionário.

Se forem necessários 20 anos para o empregado requerer a aposentadoria, a alíquota adicional será de 9%. No caso de 25 anos, o acréscimo será de 6%.

O advogado Alessandro Mendes Cardoso, do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos, diz que as empresas não estavam preparadas para a ofensiva da Receita. Um único cliente, destaca, recebeu uma cobrança de R$ 6,5 milhões – referente aos anos de 2015 e 2016. “O fiscal provavelmente vai ainda fiscalizar de 2016 para frente. Esse é só o começo”, avalia.

O especialista diz que as empresas não estavam preparadas porque pela Lei nº 8.213, de 1991, que regulamenta a aposentadoria especial, se o empregador conseguir reduzir o “agente agressivo” aos limites adequados para a segurança do seu funcionário, a aposentadoria especial não será necessária e a empresa não precisará arcar com a alíquota adicional do RAT.

Esse “agente agressivo” que consta na lei é o que torna o ambiente de trabalho arriscado à saúde. São elementos químicos, físicos ou biológicos aos quais o trabalhador fica exposto durante o expediente. “Mas podem ser reduzidos por meio de EPI [equipamento de proteção individual]. O empregado passa a, comprovadamente, trabalhar dentro do limite permitido”, afirma.

A Receita Federal entende que como a alíquota adicional serve de custeio para a aposentadoria especial, a cobrança às empresas tem de ser automática – mesmo os ministros do STF não tratando do tema no julgamento.

O Fisco começou a dar indícios de que usaria a tese para fazer as cobranças em maio do ano passado, ao divulgar o seu Plano Anual de Fiscalização. Esse tema consta no documento. Segundo o órgão, havia, na época, indícios de irregularidades em mais de 370 empresas e os valores estimados em arrecadação se aproximavam de R$ 1 bilhão.

Meses depois, em setembro, a Receita publicou norma sobre o tema. Trata-se do Ato Declaratório Interpretativo nº 2. Nesse texto consta, de forma expressa, que a empresa terá de recolher a alíquota adicional de RAT mesmo adotando medidas de proteção coletiva ou individual para neutralizar ou reduzir o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância nos casos em que não puder ser afastada a concessão da aposentadoria especial.

O Fisco deixa claro ainda, no texto, que atos normativos emitidos anteriormente e com conclusão diversa ficariam revogados. O Ato Declaratório Interpretativo nº 2 passou, então, a orientar os fiscais da Receita Federal sobre como agir nas fiscalizações.

“Essa questão estava adormecida e, com a fiscalização de 2019, superaqueceu”, diz o advogado Pedro Ackel, do escritório WFaria. O especialista afirma que as empresas achavam estar protegidas com o atestado do engenheiro e com o uso do EPI. “Estão surpresas e não têm sequer a provisão desses valores.”

Não há notícias ainda de decisões judiciais sobre essas autuações. O advogado Alessandro Mendes Cardoso, do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos, chama a atenção, porém, que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tem adotado o mesmo entendimento do Fisco para processos anteriores, em que Receita e contribuinte discutiam sobre a eficácia do EPI.

O Carf tem tratado a discussão probatória como irrelevante porque o Supremo já decidiu que para a exposição ao ruído não interessa se há ou não o EPI”, diz. “Só que há dois problemas aí. Um deles é que o STF não tratou sobre a alíquota adicional do RAT na sua decisão e o segundo é que mesmo se tivesse tratado, o entendimento não poderia ser aplicado para fatos anteriores.”

Em uma das decisões citadas por Cardoso (processo nº 12045.000552/2007­65), os conselheiros da 2ª Turma da 2ª Câmara da 2ª Seção validaram autuação referente ao período de recolhimento da contribuição entre os anos de 1999 e 2004.

Para o advogado, a cobrança adicional do RAT, nesses moldes, não poderia ser exigida porque não consta em lei. Na pior das hipóteses, afirma, a Receita Federal só poderia autuar depois da data de publicação do Ato Declaratório Interpretativo nº 2.

“Foi quando os empregadores souberam que poderiam ser cobrados”, afirma. “Quase todas as grandes indústrias têm ruído acima do limite. O que faz o trabalhador não estar exposto é o EPI”, acrescenta, destacando o alcance das autuações.

A Receita Federal foi procurada pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento da edição.

Matéria originalmente publicada pela Valor Econômico, por Joice Bacelo, em 28 de janeiro de 2020.